A obra Dom Quixote de la Mancha, escrita por Miguel de Cervantes no início do século XVII, é também uma profunda reflexão sobre os valores humanos, nomeadamente a solidariedade e a relação com o povo. Através das aventuras de Dom Quixote e do seu fiel escudeiro Sancho Pança, Cervantes constrói um retrato simbólico da resistência dos ideais de justiça, compaixão e ajuda mútua num mundo marcado pela dureza e pelas desigualdades.
Dom Quixote, embora muitas vezes considerado louco, é guiado por um forte sentido de dever para com os mais fracos e necessitados. A sua solidariedade manifesta-se quando enfrenta perigos em nome de desconhecidos, defende os oprimidos e combate (ainda que de forma ilusória) aqueles que julga serem agentes da injustiça. Mesmo quando os seus atos resultam em fracassos, o seu impulso é sempre nobre: agir em prol do outro, especialmente dos pobres e desfavorecidos.
Sancho Pança, por sua vez, representa o povo simples, humilde, que observa o mundo com um olhar prático, mas também carregado de empatia. Questiona os exageros do seu amo, mas nunca o abandona. Na lealdade de Sancho vemos outra forma de solidariedade: a da amizade, da fidelidade e do cuidado diário. Ele acredita que, apesar das suas fantasias, Dom Quixote tem um bom coração e, por isso, merece a sua companhia. A relação entre Dom Quixote e o povo revela ainda como os ideais, quando sinceros, podem inspirar empatia e transformação.
A loucura do cavaleiro andante não é sempre desprezada; em muitos momentos, as pessoas com quem se cruza vêm nele uma figura que representa esperança e coragem, ainda que de forma excêntrica. Isto mostra que, apesar das aparências, o gesto solidário é sempre reconhecido e valorizado por aqueles que mais o necessitam. Desta forma, Cervantes parece querer dizer-nos que, mesmo num mundo dominado pelo egoísmo e pela falsidade, a solidariedade é um valor que deve ser preservado — tanto pelos sonhadores como pelo povo. Através da figura de Dom Quixote, o autor recorda-nos que lutar pelos outros, ainda que contra “moinhos de vento”, é uma escolha nobre e essencial.
Disse Dom Quixote de la Mancha: “O ser humano, cego de ambição, acorrenta-se ao luxo e às vaidades, correndo atrás de riquezas como se nelas pudesse tocar a verdadeira alegria.
Mas não percebe que quanto mais possui, mais medo tem de perder e, nessa agonia, a felicidade escorre-lhe pelos dedos.
A felicidade, porém, nunca morou no ouro nem nos palácios — ela dança na brisa que acaricia o rosto, mora no riso sincero de um amigo, no pão dividido com gratidão.
Tolo é aquele que procura no mundo aquilo que só a alma pode oferecer!
A vida simples é o mais raro dos tesouros — e quem a descobre, é, sem dúvida, o mais rico dos homens.”
António José Ribeiro, Presidente da Direção da A2000