Qual o impacto que a crise que atravessamos poderá ter na inclusão socioprofissional de pessoas com deficiência e incapacidade?
Esta é uma das tantas perguntas que, em tempos de debate sobre a retoma do país após uma crise tão complexa, muitos fazem, relativamente a um setor da população potencialmente tão vulnerável ao agravamento das condições de vida que estes fenómenos trazem.
Numa altura em que começamos a assistir ao debate sobre qual a estratégia de desenvolvimento a seguir, enquanto país, para encarar os vários desafios do futuro, e tendo em conta a enorme importância que uma sociedade inclusiva terá na prosperidade futura que desejamos alcançar, apresentamos as visões que tanto o CRIP (Centro de Recursos para a Inclusão Profissional) da A2000 como a Formação Profissional apresentam para os tempos que vamos viver nos próximos anos.
CRIP PEDE MAIS FLEXIBILIDADE NAS MEDIDAS DE APOIO À CONTRATAÇÃO
Serviço que tem como objetivo promover a integração socioprofissional das pessoas com deficiência e incapacidade (PCDI) que, apresentando capacidade produtiva, têm dificuldades de inserção no mercado de trabalho, o CRIP da A2000 funciona, em estreita parceria com os Serviços do Centro de Emprego do IEFP de Vila Real (através do competente acordo de cooperação), como um importante apoio na criação de uma ligação entre as pessoas com deficiência e as empresas e entidades que os acolhem.
Ana Antunes, coordenadora deste serviço na Associação, explica genericamente em que consiste o trabalho do CRIP e como é que este serviço dá início aos processos de integração laboral. “Nas nossas intervenções, tem existido uma maior prevalência das pessoas com deficiência intelectual e doença mental e, em menor percentagem, pessoas com deficiência motora, auditiva e visual. São pessoas que normalmente têm um percurso profissional instável, que acumulam fatores de insucesso escolar e profissional, com lacunas nas competências pessoais, sociais, escolares e profissionais, mas que, com a estimulação necessária, são capazes de ser produtivas e manter uma atividade profissional. O início da intervenção, independentemente da medida em que se encontra, é sempre de avaliação da funcionalidade, levantamento de interesses e expetativas e consequente definição de uma estratégia de intervenção. O CRIP cria uma ponte entre os seus clientes e o mercado de trabalho, desenvolvendo ações vocacionais ou de experiências profissionais, em contexto de real de trabalho, que permitam às PCDI desenvolver as suas competências e proporcionar uma integração profissional”, explica.
O processo de inclusão, porém, é bastante complexo, e tem de passar por uma gestão rigorosa entre pessoas necessitadas de competências que lhes permitam uma adaptação plena ao seu posto de trabalho e um contexto social ainda marcado por algumas reservas quanto às verdadeiras capacidades destas pessoas. “Os principais desafios das integrações relacionam-se com o ajustamento entre as entidades e as especificidades de cada pessoa com deficiência, por exemplo, questões de comunicação entre as partes, limitações ao nível da execução e da produtividade, fracos hábitos de trabalho, dificuldades na flexibilidade intelectual, lacunas na apresentação pessoal, entre outras. As experiências em posto real de trabalho e o acompanhamento técnico contínuo às entidades e aos clientes, acabam por reduzir estas dificuldades, permitindo às diferentes entidades uma maior abertura e disponibilidade para integrar as PCDI”, sublinha Ana Antunes e a sua equipa, referindo que, apesar de obstáculos iniciais, as avaliações do desempenho das PCDI ao longo do tempo são bastante animadoras. “O impacto é normalmente positivo. As entidades assumem que estes trabalhadores, apesar de terem de ser supervisionados com regularidade, são uma mais-valia nas equipas de trabalho, pois são normalmente pessoas empenhadas e bastante cumpridoras. Além disso, as entidades acabam por cumprir com o seu dever de responsabilidade social, sensibilizando os seus trabalhadores para o tema da deficiência e da igualdade de oportunidades e não discriminação. A mudança de mentalidades é bastante morosa, no entanto, têm-se vindo a constatar que na sua generalidade todas as entidades se mostram cada vez mais recetivas à integração profissional de PCDI. Os diferentes apoios à integração também têm permitido promover a integração efetiva destas pessoas, nomeadamente através dos Contratos de Emprego Apoiado em Mercado Aberto, cuja implementação tem vindo a aumentar substancialmente nos últimos 2 anos”, referem.
Apesar de admitir que, nesta fase ainda inicial de crise, as entidades e empresas possam mostrar alguma contenção ao nível destes processos de integração profissional face às incertezas quanto à evolução não só da pandemia como das perspetivas económicas para os tempos mais próximos, a equipa mostra-se confiante de que o impacto nas integrações profissionais de PCDI não será significativo, mas pedem agilização das medidas existentes, para consolidar o trabalho já feito. “As medidas de apoio para a integração de PCDI já existem e devem ser implementadas com eficácia e eficiência. Medidas como o Contrato de Emprego Apoiado em Mercado Aberto não poderão ser alvo de demora na aprovação, com o perigo de prejudicar quer a entidade que quer naquele momento contratar, quer a pessoa com deficiência que tem necessidade e urgência em trabalhar. Até porque, nesta fase, a maior dificuldade será a estabilidade financeira dos potenciais empregadores de PCDI. Visto que atualmente se mostram receosos quanto à sua sustentabilidade, é fundamental existir alguma flexibilidade nas medidas para que não se perca o trabalho que foi sendo desenvolvido ao longo dos anos”, pedem, além de frisar a necessidade de se sensibilizar a sociedade no reforço deste caminho de inclusão, que seja capaz de proporcionar uma maior qualidade de vida a estas pessoas. “Ainda existe algum estigma sobre a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. As entidades consideram que têm de despender mais energia num colaborador com deficiência do que num sem deficiência, o que não é necessariamente verdade. Pensamos que a melhoria passa mesmo pela sensibilização da comunidade para a mais-valia da contratação de PCDI, promovendo experiências que permitam essa validação e o desenvolvimento de competências, desmistificando os estigmas sociais existentes. A sensibilização e a psicoeducação em relação ao potencial das PCDI, a promoção de experiências práticas que permitam ver in loco as suas potencialidades ou o desenvolvimento de competências ao longo da vida, deverão continuar a ser as apostas das instituições que apoiam estas pessoas”.
FORMAÇÃO DA A2000 ALERTA PARA MÚLTIPLAS BARREIRAS À INCLUSÃO SOCIOPROFISSIONAL
Para que seja possível uma integração mais efetiva das PCDI no mercado de trabalho, a Formação Inicial e a Formação Contínua da A2000 desempenham um papel fundamental na dotação destas pessoas de competências que suportam, mais tarde, a sua integração no mercado de trabalho, tal como referem os formadores da A2000 de uma equipa coordenada por Lara Carnide. “Quando iniciamos o nosso trabalho com os formandos, é como começar a lapidar um diamante em bruto, que precisa de ser trabalhado para atingir o seu valor. Assim se passa com os nossos formandos, que desde que entram para a formação até atingirem as capacidades necessárias à integração em contexto de trabalho, vão sendo “lapidados” no sentido de potenciar os seus saber-fazer, saber-ser e saber-estar. Todos eles chegam até nós com vontade de mostrar à sociedade que merecem uma oportunidade de mostrar as suas competências”, referem, ao mesmo tempo que alertam para os vários obstáculos que estas pessoas enfrentam, no seu processo inclusivo. “O primeiro desafio é a própria sociedade com a sua visão preconceituosa relativamente aos nossos clientes que, infelizmente, ainda continuam excluídos por ser tidos como menos capazes. Também a localização geográfica no interior e o isolamento social agravado pela rede deficitária ou inexistente de transportes públicos barra o acesso dos nossos clientes a determinadas oportunidades. A família também pode ser um obstáculo quando esta desvaloriza a formação profissional e não acredita nas suas competências. As competências parentais, por vezes, também são levadas aos extremos da negligência e da superproteção, prejudicando assim a aprendizagem e integração desta parte da população. Temos o próprio cliente, com uma história de vida marcada por vivências menos positivas que o tornam inseguro, pouco confiante, com baixa autoestima e, assim, descrente do seu sucesso na formação. Para terminar, temos a resistência à mudança que engloba todos os intervenientes”, detalham.
Uma vez ultrapassadas estas adversidades, abre-se um mundo novo de oportunidades de realização, que a equipa de formadores da A2000 explica. “Para alguns dos nossos clientes, a formação profissional é a oportunidade, às vezes a única, de saírem de casa e retomarem a vida social que ficou suspensa no passado. A vinda para a formação profissional abre uma porta para, progressivamente, reatar o contacto com a sociedade. A nossa formação é centrada no cliente, logo não é estandardizada, é adaptada e ajustada às necessidades que cada um apresenta e ao ritmo do desenvolvimento de competências de cada um. A formação, além de permitir o contacto com a sociedade, permite igualmente o primeiro contacto com o mundo do trabalho para a maioria dos nossos clientes que nunca tiveram uma experiência laboral”.
A agilização e desburocratização das medidas de apoio à contratação de PCDI e a sensibilização da sociedade em prol da construção de um mercado de trabalho inclusivo são as sugestões que a equipa de formadores da A2000 aponta como os próximos passos a serem dados no reforço deste trabalho. “O Governo deveria agilizar, a curto prazo, medidas de apoio ao emprego para pessoas com deficiência ou incapacidade e divulgação das medidas nas entidades públicas e privadas. A médio e longo prazo seria importante agilizar as medidas de apoio ao emprego no sentido de diminuir o tempo de espera da candidatura ao apoio desde a submissão até à aprovação, a execução burocrática da candidatura, o acompanhamento dado pelo IEFP ao longo de todo o processo, a demora no pagamento dos reembolsos e encerramento de contas. Sensibilizar as entidades públicas e privadas através de ações de formação sobre a pessoa com deficiência e seus direitos é outro dos aspetos fundamentais deste trabalho. Para sensibilizar a sociedade e as famílias, a melhor forma é criar proximidade para que estas possam conhecer as competências dos nossos clientes, por exemplo, através dos testemunhos das entidades que os integram e tão bem lhes conhecem as capacidades, e criando atividades conjuntas”.
Gonçalo Novais, Técnico da A2000